Dá-lhe Nicolelis!

04/03/2011

O pesquisador Miguel Nicolelis emitiu críticas e considerações ao sistema brasileiro de C&T.

No divertido artigo de Alexandre Gonçalves publicado no Estado de São Paulo em 11 de Janeiro de 2011, “Einstein não seria pesquisador 1A do CNPq”, o pesquisador Miguel Nicolelis emite refrescantes críticas e considerações ao nosso sistema de C & T.

Destaco algumas:

1) A política científica e tecnológica (a nossa)
1.a)“Está ultrapassada. Principalmente a gestão científica”. “O mais importante nós temos: o talento humano. Mas ele é rapidamente sufocado por normas absurdas dentro das universidades.”
1.b)”Aqui no Brasil há a cultura de que, subindo na carreira científica, o último passo de glória é virar um administrador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) ou da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). É uma tragédia. Esses caras não tem formação para administrar nada. Nem a casa deles.”

2) Burocracia.“Achar que um cientista vai desviar dinheiro para fazer fortuna pessoal é absurdo. O processo de financiamento deve ser mais aberto, com mecanismos simples de auditoria. Além disso, deveria ser mais fácil importar insumos e, com o tempo, precisaríamos atrair empresas para produzi-los aqui.”

3) Ciência e Democracia no Brasil
3.a)“É uma atividade extremamente elitizada. Não temos a penetração popular adequada nas universidades. Quantos doutores são índios ou negros? A ciência deve ir ao encontro da sociedade brasileira.”
3.b)“Hoje, nós precisamos de cientista que joga futebol na praia de Boa Viagem. Precisamos do moleque que está na escola pública. As crianças precisam ter acesso à educação científica, à iniciação científica.”

4) Avaliação de mérito na academia
4.a)“ Na academia brasileira, as recompensas dependem do que eu chamo de “índice gravitacional de publicação”: quanto mais pesado o currículo, melhor. Ou seja, o cientista precisa colecionar o maior número de publicações – sem importar tanto seu conteúdo. Não pode ser assim. O mérito tem de ser julgado pelo impacto nacional ou internacional de uma pesquisa.”
4.b) “ Meu departamento na Universidade Duke nunca pediu meu índice de citação. Também nunca calculei. Quando sai do Brasil, achei que estava deixando um mundo de lordes da ciência. Fui perguntando nome por nome lá fora. Ninguém conhecia. Ninguém sabia quem era. Criamos uma bolha provinciana que deve ser estourada agora se o Brasil quer dar um salto quântico. ”

5) Como você se vê na academia
5.a) “Sou um pária. Não tenho o menor receio de falar isso. Sou tolerado. Ninguém chega para mim de frente e fala qualquer coisa. Mas, nos bastidores, é inacreditável a sabotagem de que fomos vítimas aqui em Natal nos últimos oito anos. Mas sobrevivemos.”
5.b)”Algumas pessoas ficaram ofendidas porque não fiz o beija-mão pedindo permissão para fazer ciência na periferia de Natal. Este ano, na avaliação dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs), tivemos um dos melhores pareceres técnicos da área de biomedicina. E o nosso orçamento foi misteriosamente cortado em 75%. Pedi R$ 7 milhões. Recebemos R$ 1,5 milhão.”
5.c) “As pessoas têm medo de abrir a boca, porque você é engolido pelos pares. ”
5.d) “ De qualquer forma, o pessoal precisa entender que voltar para o Brasil é assumir um tipo especial de compromisso. Não é ir para Harvard, Yale. Você deve estar disposto a dar seu quinhão para o País porque ele ainda está em construção. Nem tudo vai funcionar como a gente quer. Vejo muita gente egoísta voltando para o Brasil. Os jovens precisam olhar menos para o umbigo e mais para a sociedade.”

6) Sobre os pesquisadores jovens.“ Atualmente, eles têm uma dificuldade tremenda de conseguir dinheiro porque não são pesquisadores 1A do CNPq. Você precisa ser um cardeal da academia para conseguir dinheiro e sobressair. Com um físico da UFPE, cheguei à conclusão de que Albert Einstein não seria pesquisador 1A do CNPq, porque ele não preenche todos os pré-requisitos – número de orientandos de mestrado, de doutorado.”

7) Sobre o obscurantismo na nossa ciência
7.a)“Para entender a que me refiro, basta participar de reuniões científicas e acompanhar a composição de uma mesa. Não há nada semelhante em lugar nenhum do mundo: perder três minutos anunciando autoridades e nomeando quem está na mesa. É coisa de cartório português da Idade Média. Cientista é um cidadão comum. Ele não tem de fazer toda essa firula para apresentar o que está fazendo. É um desperdício de energia, uma pompa completamente desnecessária.”
7.b)”Muitas vezes, os pesquisadores jovens não podem abrir a boca diante dos cientistas mais velhos. Eu ouço isso em todo o Brasil.” “Qualquer um pode me interpelar a qualquer momento. Qualquer um pode reclamar de qualquer coisa. Qualquer um pode fazer qualquer pergunta. E ninguém me chama de professor Nicolelis. Meu nome lá é Miguel. Por quê? Porque o cientista é algo comum na sociedade.”

Tem mais, mas eu vou parar por aqui pois preciso me manter no emprego e com financiamento estatal por mais 5 anos.

Amilton Sinatora


Hipótese sobre a fonte da burocracia anticiência

28/01/2011

..."sobrecarga gerada sobre o pesquisador por questões administrativas".

Richard Dawkins, na sua polêmica contra os deuses, nos explica que afirmações que não podem ser provadas não são tratáveis no âmbito da ciência. Ele usa o exemplo de um bule de chá girando em torno do sol, tomado de Bertrand Russell, a quem passo a palavra.

“ If I were to suggest that between the Earth and Mars there is a china teapot revolving about the sun in an elliptical orbit, nobody would be able to disprove my assertion provided I were careful to add that the teapot is too small to be revealed even by our most powerful telescopes. But if I were to go on to say that, since my assertion cannot be disproved, it is an intolerable presumption on the part of human reason to doubt it, I should rightly be thought to be talking nonsense. If, however, the existence of such a teapot were affirmed in ancient books, taught as the sacred truth every Sunday, and instilled into the minds of children at school, hesitation to believe in its existence would become a mark of eccentricity and entitle the doubter to the attentions of the psychiatrist in an enlightened age or of the Inquisitor in an earlier time.”

Eu chamo este bule de chá de deus de Dawkins. De minha parte, postulo que existe na mesma órbita do bule de chá de Dawkins, a 180 graus do mesmo, um inferno invisível aos nossos telescópios no qual demônios incansáveis elaboram infindáveis e intrincados formulários. O  preenchimento dos mesmos objetiva afastar pesquisadores dos laboratórios, condicionando-nos com o passar do tempo a concluir  que o melhor no auge da maturidade científica é ser chefe de alguma coisa. Lá também se elaboram regimentos, regras e procedimentos que, sob pena de execração pública, devem ser minuciosamente estudados, seguidos e aplicados como forma de garantir que não produzamos nada de útil ou expressivo e que os dias de trabalho cheguem ao fim com uma sensação cinzenta.

Execrado pelos que crêem e ignorado pelos que não crêem, uma vez que a afirmação não pode ser “desprovada”, este texto parece, portanto, a fundação de uma nova religião (provavelmente pouco lucrativa) ou um desabafo solitário. Mas nem tanto!

No jornal O Estado de São Paulo de 23 de janeiro de 2011, o jornalista Alexandre Gonçalves divulga a saga do pesquisador brasileiro Stevens Rehen, que viu seu material de pesquisa apodrecer na alfândega. Anvisa e a Receita, numa atitude progressista, se reuniram com o cientista e concluiram que o incorreto preenchimento dos formulários era a principal causa da morosidade e dos atrasos. Sobre a provável origem dos formulários, Glaucius Oliva, presidente do CNPq, considera que “um dos grandes entraves à ciência no país é a sobrecarga gerada sobre o pesquisador por questões administrativas”, sem contudo exorcizar a hipótese demono-astronômica levantada nesse texto.

Amilton Sinatora

Referências

http://en.wikipedia.org/wiki/Russell’s_teapot

O Estado de São Paulo, 23 de janeiro de 2011, pp 20 e 22. Alexandre Gonçalves “Prioridade é criar um novo marco legal”;  “Burocarcia ainda é um dos principais entraves à pesquisa científica no País” .

 


Significativas mudanças no relacionamento com empresas: anotações

21/09/2010

"uma ideia difusa de que era preciso fazer alguma coisa com as empresas"

1. “precisamos fazer alguma coisa junto com as universidades”

O meu primeiro contrato de longo prazo com empresas foi em 1994. Era comum ouvir das empresas “precisamos fazer alguma coisa juntos”, reflexo da necessidade de apoio da academia ou, o que era mais comum, da intuição desta necessidade. Fomos, empresas e universidade, aprendendo com o tempo e com a multiplicação dos contatos. Na academia aprendemos a fazer anamnese. Como os médicos antigos, aprendemos a ouvir nossos pacientes e com isto percebíamos que, na maioria das vezes, as empresas, como os pacientes, não sabiam exatamente onde doia e o que exatamente elas queriam no contato com a universidade.
2. “precisamos fazer alguma coisa junto com as empresas”
Éramos movidos por uma ideia difusa de que “era preciso fazer alguma coisa com as empresas”. Lutáramos na USP, nos anos 80, com uma fortíssima crise de recursos. Nos faltavam as condições mínimas de trabalho. Não havia manutenção das edificações, não havia material de consumo. Mesmo para higiene básica não havia verba suficiente. Buscar recursos nas empresas era então uma alternativa obvia. Outra preocupação difusa era em transformar conhecimento em PIB, aplicar o que havíamos acumulado à custa do poder público para gerar renda e crescimento. Isto nos remetia em direção às empresas e menos intensamente para atividades sociais.
Mesmo assim, ou por isso mesmo, iniciamos um processo longo de aprendizado mútuo. Aprendemos a ouvir, a planejar, a custear o serviço, a entregar no prazo. Aprendemos a negociar com o cliente entendendo que nosso contato tem um chefe, uma estrutura a obedecer, um sistema todo particular de custeio, de compras e de controle. Aprendemos por fim que o cliente de nosso cliente é o termômetro da qualidade de nossas atividades.
3. “contraponto”
Hoje continuamos a receber empresas que no fundo “querem fazer alguma coisa juntos”; ou seja, são necessárias longas conversas para descobrir exatamente o que elas querem.
Entretanto já é expressivo o número de  empresas que chega ao LFS com um pedido específico, com objetivos e prazos bem definidos, com orçamentos delimitados .
Quais são as novidades por trás dessa mudança?
Uma delas é a existência de um número cada vez maior de pessoas dedicadas à inovação nas empresas. Muitas delas são egressas de programas de pós-graduação, com títulos de mestre e doutor. Ou seja, conhecem a linguagem, as possibilidades e os aspectos do relacionamento que terão que ser melhorados ao longo do contato. Elas são também, frequentemente, jovens. São sucessores de gestores tradicionais. Por isto, cada vez mais frequentemente, elas trabalham melhor em equipe, sabem usar o conhecimento dos outros e não se sentem (indevidamente) tão inferiorizadas pelo saber acadêmico. Com isto começamos a ter encontros com empresas muito produtivos e eficazes. Rapidamente se mapeiam os recursos e as necessidades e se definem objetivos e condições de contorno.
Outra mudança se deve ao crescimento do mercado interno e ao aumento da importância do Brasil enquanto plataforma exportadora. Algumas parcerias entre empresas, que envolviam “transferência de tecnologia” com ênfase na transferência de procedimentos de projeto e de fabricação obsoletos sem valorizar o know why, estão em crise. O “parceiro tecnológico” passa a aspirar uma fatia maior do faturamento oriundo do Brasil. Quando isto conflita com a visão dos dirigentes da empresa nacional, que também querem uma fatia maior do  mercado, se manifesta a necessidade de parcerias com universidades e centros de pesquisa. Estas demandas que passamos a receber têm um toque de urgência e demandam competências já estabelecidas nas universidades. Não dá tempo de “aprender o assunto”.
Outra vertente da atual “corrida às universidades” são os desafios tecnológicos impostos pelo crescimento econômico, com destaque para o desafio do pré-sal. As demandas tecnológicas colocadas sobre os fornecedores colocaram em cheque o modelo de desenvolvimento de tecnologia baseado em “engenharia reversa”, experiência prática e apoio em normas técnicas. Um saboroso documento do PROMINP (Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás Natural), “Diagnóstico dos gargalos e proposição de Ações Tecnológicas” descreve a incapacidade de muitas empresas em fazer “engenharia racional” (!!) – um jeito elegante de dizer que pode haver algum engenho em copiar, mas que engenharia de fato há pouco! Isto tem também alimentado a corrida das empresas às universidades.
Me parece pouco provável que nós das universidades consigamos atender sequer as principais demandas. Um caminho para aumentar nossa capacidade de resposta é aprofundarmos nossas sinergias, pondo para funcionar de fato iniciativas como o  Instituto Nacional de Engenharia de Superfícies.

Amilton Sinatora


Artigos técnicos escritos em colaboração

05/08/2010
imagem por David Wall

Publicar artigos já é um trabalho árduo; com autores de diversas instituições, então, a dificuldade aumenta!

Escrever para publicar é, por si, uma atividade que gera contradições no meio acadêmico (ver a série de posts sobre publicar ou perecer). Publicar um trabalho técnico com autores de diversas instituições é, então, um exercício digno dos mais fortes. Me explico: oito autores de cinco instituições publicamos o artigo Wear mechanisms and microstructure of pulsed plasma nitrided AISI H13 tool steel cuja epopéia descrevo abaixo.

O tema foi trazido para o Laboratório de Fenômenos de Superfície em 2006 pelo então pós-doc do Instituto de Física da Unicamp, o químico Carlos Figueroa, hoje na UCS e um dos coordenadores do Instituto Nacional de Engenharia de Superfícies. Discutimos a importância dos ensaios de desgaste para a caracterização dos tratamentos de superfície desenvolvidos pelo Carlos.
Para realizar os ensaios contávamos com o então doutorando engenheiro Mario Vitor Leite, hoje doutor e e engenheiro de aplicação da Villares Rolls.
Como todos sabemos, as propriedades tribológicas são propriedades sistêmicas. Isto também quer dizer que fazer bons ensaios de desgaste toma um tempo enorme de preparação (setup) e um tempo enorme para entender o que é exatamente que estamos medindo. Alie-se a isto o fato de que evidentemente o planejamento experimental não previa as dificuldades dos ensaios tribológicos e nos deparamos com… a falta de amostras, pois todas as que possuíamos tínhamos sido usadas no “setup”!
Como  o doutorando tinha, evidentemente, o seu próprio tema de doutorado, nestas andanças já havia se passado um ano ou mais. Novas amostras foram fabricadas e… os ensaios foram interrompidos porque o doutorando passou seis meses num estágio em Portugal! Estávamos então quase em 2008 quando por fim os ensaios deslancharam. “Deslancharam” é modo de dizer, pois, como os resultados eram novos (o suficiente para garantir uma publicação em uma revista de destaque), não sabíamos o que estavamos observando. E lá se foi 2008.
O fim do período experimental foi ditado pelo fim das amostras, como costuma acontecer. Isto posto, cumpria escrever o trabalho e esta é uma tarefa para pessoas vocacionadas ou para a liderança da equipe. Neste momento foi importante o papel do professor Israel Baumvol, que disse: faça-se! Assim foi feito e o paper foi iniciado!
Chegamos em 2009  “já” com um primeiro esboço composto pelo Carlos. Então faltava “apenas”  entender a parte de tribologia. Para isto foi fundamental eu ter passado duas semanas (maravilhosas) na UCS no âmbito das atividades  do Instituto Nacional de Engenharia de Superfícies (que nesse “meio-tempo” havia sido criado). Pudemos discutir os resultados, apresentá-los, tornar a discuti-los com os estudantes de pós-graduação e providenciar uma primeira versão desta parte do texto.
Aí, então, “ficou fácil”. Bastou distribuir o texto entre os co-autores (da época) e contar com as sugestões. Nesse momento descobrimos que somos, de fato, muito ocupados [um outro jeito de dizer isto é dizer que ganhamos mal, mas esta é outra história], especialmente os tribologistas (eu!). Neste momento  cabia a alguém tomar medidas extremas. Este papel coube então ao Carlos que decidiu enviar a versão que tínhamos para a revista WEAR.
Aí sim é que “ficou fácil” e recebemos uma sonora negativa à publicação do artigo. O que fazer, então. Desistir e procurar outra revista (minha opinião) ou revisar, esclarecer e insistir (todos os outros!). Insistimos e, para isso, precisamos da ajuda de novos co-autores que pudessem investir tempo nas respostas aos questionamentos dos revisores e no aprimoramento do texto que, de fato, estava muito “macarrônico”. Com isto 2009 também se foi.
Mas valeu a pena. Após mais uma breve tramitação chegamos em 2010 com o aceite do trabalho e sua publicação, como citado no início deste texto.
É isto, tudo muito simples, muito rápido e muito eficiente.
Brincadeiras à parte, temos que comemorar quatro conquistas. A publicação do artigo, o reforço dos vínculos entre os co-autores e suas instituições, a incorporação de novos colegas à equipe. O quarto ponto a comemorar é que, no meio de tudo isto, a empresa Plasma-LIITS produziu um belo lote de amostras que nos permitirá investigar a abrangência da contribuição tribológica que fizemos no artigo que motivou este post.
Basta “apenas” encontrar um aluno, que ele passe no exame de ingresso do programa, que…., que….!
Parabéns a todos e parabéns ao Instituto Nacional de Engenharia de Superfícies por propiciar esta experiência épica.
Amilton Sinatora

Publicar ou perecer (4). Razões mesquinhas.

04/06/2010
por marciookabe

Artigo

O debate muitas vezes acalorado sobre publicar ou não publicar, que ocorre mais intensamente na época de escrever ou de avaliar os relatórios CAPES, tem, como vimos em posts anteriores, razões filosóficas, históricas, educacionais.  O debate também reflete questões menores.

Analfabetismo funcional
A barreira da língua é um não desprezível obstáculo para se publicar. Para muitos, como eu mesmo, só é possível refletir e elaborar raciocínios um pouco mais sofisticados em português. Fazer o que? Muitas iniciativas existem. Exigir um pouco mais dos alunos nos exames de ingresso nos programas de pós graduação. No doutorado, em vez de se cobrar o conhecimento de outra língua estrangeira, exigir um nível mais elevado de conhecimento de inglês. Promover intercâmbio, patrocinar cursos de inglês, subsidiar tradutores, estudar inglês por conta nas poucas horas vagas são recursos que estudantes e colegas empregam.  Para os mais tímidos, que defendem o partido do não publicar devido a sua dificuldade com o inglês, vale experimentar os programas tradutores do AltaVista ou Google. Aposto que com o avanço destes programas teremos belas publicações vindas de alguns dentre os não publicantes profissionais.
Falta de tempo
De fato o tempo foge! Basta fazermos outra coisa que para “aquela uma” não sobra tempo. Em outras palavras, só fazemos o que priorizamos ou o que  somos obrigados a fazer. Não há como adiar uma emergência médica, como não parar os experimentos com a queda de energia, como não obedecer à última ordem do chefe. Por outro lado, também não há como publicar para os que priorizam a prestação de serviços, o ritmo circadiado do dia de trabalho, os exercícios de ante-sala da burocracia universitária, as comensuras do comissionamento político ou as infinitas conspirações acadêmicas. Também não há como publicar para os que incansavelmente se movem de um para outro experimento ou projeto de pesquisa nem para os que alternam diariamente seu campo de trabalho. Notar, por outro lado, que artigos para congresso são concluídos muito mais frequentemente do que artigos para revistas. Será que é apenas por que a exigência das revistas é maior ou será por que a entrega de artigos para congressos tem data improrrogável?
Terceiro mundismo
Esta última razão mesquinha tem dois lados.
De um lado, uma latente auto estima baixa. Nossos resultados são piores dos que os deles, nossa análise é menos erudita, nossa descoberta mais atrasada clama-se pelos corredores! É interessante notar, ao contrário, que muitos dos colegas que publicam bastante… ”se acham”, o que reflete bem, na minha opinião, o peso da autoestima. Cabe notar que a ciência não é feita (nem nunca foi) de obras acabadas, definitivas, lapidares. Vivemos (e sempre foi assim, de acordo com o método científico) numa roda-viva de fazer e melhorar o que foi feito, nem mesmo que melhorar signifique negar o que foi feito anteriormente. Afinal, ciência não é religião.
De outro lado temos um país a construir. Um país de terceiro mundo brutalmente desigual. Por isto é frequente, especialmente nas engenharias, que  nos dediquemos (não sem interesse financeiro) a estudos de melhorias dignos de compaixão, tanto pelo lado da perda inútil de tempo acadêmico, quanto por refletirem os baixíssimos padrões de competitividade de boa parte de nosso parque industrial. E, qual revista de primeiro mundo quer publicar o que já foi resolvido no século XIX ou início do XX? Talvez com o crescente peso da China no comércio mundial e, em decorrência, no mercado editorial venhamos a poder publicar estas re-reflexões técnico científicas, verdadeiros pentimentos acadêmicos.
Amilton Sinatora

Publicar ou perecer (3). Por que NÃO publicar? – Leonardo da Vinci

28/05/2010

Leonardo DaVinci

Meu colega o Prof. Deniol K. Tanaka e eu tivemos o privilégio de discutir por mais de uma vez o papel do artista Leonardo da Vinci na tribologia, em especiar suas contribuições no estudo do fenômeno de atrito e seus estudos sobre desgaste.

Nestas discussões chegamos sempre ao ponto de que Leonardo fazia o possível para não ser lido! Escrevia de modo que a leitura de seus textos pudesse ser feita apenas lendo-os em espelhos, pois quase sempre escrevia “ao contrário”.  O genial italiano temia ter suas idéias roubadas.
Afinal, de um lado, ele trabalhou como engenheiro militar para para o sanguinário Ludovico Sforza, Duque de Milão e, na mesma função, para o devasso e sanguinário César Borgia, Duque de Bologna. Por  outro lado, Leonardo tinha pendências com a igreja católica e devia temer a fogueira. Publicar talvez não fosse mesmo a melhor política!
Leonardo também não divulgava nem fazia cópia de seus escritos. No fim da vida, entretanto, passou um bom tempo organizando e classificando as milhares de anotações que fez ao longo da vida. Suas anotações, os chamados códigos (codici) que nos chegaram, trazem muitíssimas informações, e são apenas uma fração que chegou até nós, sendo que todo o resto se perdeu. Leonardo não teve o cuidado de enviá-los (nem de deixar em testamento que fossem) a uma biblioteca, igreja ou a algum de seus muitos patronos.
Com isto, seu trabalho se perdeu e suas contribuições ao estudo do atrito apenas chegaram até nós quando seus escritos foram redescobertos. Por isto as “leis” do atrito (e aqui destaco que não as defendo enquanto leis”) são atribuídas na literatura tradicional a Amontons e a Coulomb.
Se ele houvesse publicado, teríamos a seguinte cronologia de contribuições fundamentais sobre o fenômeno de atrito:
Da Vinci – 1495
L1) A força de atrito é proporcional à força normal.
L2) O coeficiente de atrito independe da área aparente de contato.
L3) O coeficiente de atrito depende dos materiais. (Esta descoberta de Leonardo é raramente relatada nos textos, mesmo os recentes.)
Amontons – 1699
L1,2, 3) Confirmaria as duas descobertas de Da Vinci de forma independente num belo exercício do método científico.
Coulomb – 1785
L4) O coeficiente de atrito independe da velocidade (nem sempre como relata o próprio Coulomb, mas esta ressalva é sempre esquecida na literatura contemporânea)‏. Coulomb muitas vezes recebe o crédito pela L3, o que mostra que mesmo publicando (Amontons), às vezes o trabalho de pesquisa não é adequadamente reconhecido!
Greenwood Williamson –  1968
L5) A área REAL de contato aumenta com o aumento da força aplicada. Esta descoberta finalmente justifica as “leis” 1 e 2.
Mas não foi assim que aconteceu e, então, as “leis do atrito” são conhecidas como leis de Amontons ou leis de Coulomb, sendo que os físicos (mais estudiosos) preferem “leis de Amontons” enquanto que os engenheiros (mais comodistas) preferem a expressão “leis de Coulomb”.
Para aqueles menos geniais e menos perseguidos que Leonardo, talvez não reste mesmo outro caminho se não ….publicar, a menos que seus patronos estejam comprando seus segredos de pesquisa!
Amilton Sinatora
Referência
SINATORA, Amilton; TANAKA, Deniol Katsuki. As leis do atrito: da Vinci, Amontons ou Coulomb?. Revista Brasileira de Ciências Mecânicas, Rio de Janeiro, v. 12, n. 1, p. 31-34, out.2007

Publicar ou perecer (1). Por que publicar? – O método científico

13/05/2010
Uma consulta à Wikipedia mostra em resumo os seguintes passos “ de uma maneira linearizada e pragmática” do método científico:
  • Definir o problema.
  • Recolhimento de dados.
  • Proposta de uma hipótese.
  • Realização de uma experiência controlada, para testar a validade da hipótese.
  • Análise dos resultados.
  • Interpretar os dados e tirar conclusões, o que serve para a formulação de novas hipóteses.
  • Publicação dos resultados em monografias, dissertações, teses, artigos ou livros aceitos por universidades e ou reconhecidos pela comunidade científica.
O artigo da Wikipedia destaca, e é importante repetir, que os passos acima servem apenas como referência. Entretanto, é importante notar o destaque dado às publicações nesta versão do método. Por que esta insistência com o tema?
Uma explicação talvez seja o que para mim é um dos pontos essenciais do método científico:  a hipótese científica deve necessariamente ser questionável, ou seja, ela deve ser passível de dúvida, ela deve poder ser refutada. Em decorrência, o experimento também deve ser refutável.  Ou seja, tanto nossa (preciosa) hipótese de trabalho quanto nosso (cuidadoso) arranjo experimental devem poder ser refutados. Isto, entretanto, não significa que o serão! Uma humilde e elementar reflexão sobre as nossas próprias falibilidades e limitações (em que pese as opiniões sempre positivas de nossas mães e esposas sobre nossa competência!) corrobora as necessidades de verificação acima citadas.
Mais do que isto, entretanto, outro aspecto do método que requer a divulgação dos resultados entre os pares é que nosso conhecimento deve ser capar de fazer previsões. Verificá-las de forma independente, ou seja, por outros pesquisadores, é um passo importante para validar nossos modelos.
Por isto, por uma questão de método científico, por que queremos fazer direito e eticamente nosso trabalho, é que devemos publicar nos veículos de divulgação mais exigentes e mais críticos o resultado de nossas atividades de pesquisa ou de reflexão.
Outras razões para publicar ou não publicar serão discutidas aqui em outras oportunidades.
Amilton Sinatora

A pesquisa de primeira linha em tribologia

12/03/2010
O estudo da tribologia ainda enfrenta limitações muito básicas como as apontadas em post anterior. Por exemplo, exceto com raras excessões, os tribologistas não conseguem construir modelos capazes de prever a vida de componentes nos quais o desgaste ou os valores de coeficiente de atrito são as grandezas determinantes para o seu uso.
O surgimento no Brasil de grupos de pesquisa voltados para a tribologia ou, ao menos, para a engenharia de superfícies é um passo positivo para superar aquela lacuna no conhecimento.
Entretanto, a formação destes grupos precisa enfrentar e superar algumas das características da pesquisa no terceiro mundo, como a inconstância no estudo de um tema e a pequena troca de experiências entre grupos. Estas questões parecem estar bem claras para a maioria dos pesquisadores com os quais tenho contato e devem, portanto, ser superadas em prazo curto, uma vez que as medidas são muito simples.
Outras questões, entretanto, são menos evidentes e são brilhantemente abordadas no livro Em busca da Memória. O autor, Eric R. Kandel recebeu o  Prêmio Nobel de Medicina em 2000 por seu trabalho na formação de memórias.
  • A mobilidade dos pesquisadores. Kandel estagiou em diferentes laboratórios e clínicas nos Estados Unidos e fez pós-doutorado na França, onde estagiou para aprender uma técnica específica que utilizou para seus estudos. No Brasil, em geral o pesquisador se forma, trabalha e se aposenta na mesma instituição.
  • O clima de trabalho. São saborosas as passagens do livro no qual o autor relata seu entusiasmo enquanto aluno com laboratórios nos quais era encorajado pelos mais velhos a buscar a resposta a perguntas, mesmo aquelas nas quais os mais velhos não acreditavam. Relata ainda a generosidade de pesquisadores que providenciaram, literalmente, um cantinho para que ele pudesse continuar suas pesquisas enquanto estagiava como residente em um hospital.
  • A curiosidade científica. O livro é um autorretrato da busca de um ser humano pelas respostas que ele próprio se coloca e dos brilhantes questionamentos aos achados de outros pesquisadores. Nós acostumamos nossos alunos a trabalhar nas nossas próprias perguntas e não nas deles.
  • O respeito e a valorização do trabalho dos outros. Kandel faz uma elegante revisão bibliográfica sobre fisiologia do cérebro, sobre aprendizagem, sobre memória. Contextualiza históricamente as contribuições dos precursores (entre eles Helmholz!!) reconhecendo as contribuições no contexto das limitações sociais e históricas.  Apresenta e valoriza aqueles que o influenciaram tanto pelo  conhecimento dos campos de estudo como pelo domínio de técnicas específicas. Nosso desconforto com os colegas “ao lado” pode ser medido pela ausência de citação de colegas brasileiros e latinos nos nossos papers!

Amilton Sinatora


Como estão os modelos e equações preditivas de desgaste?

08/03/2010
As equações e modelos de desgaste disponíveis para previsão de vida de componentes e equipamentos estão muito distantes dos disponíveis para previsão de vida em fadiga ou fluência. Esse quadro desanimador descrito pelo Professor Ludema em 1995 (Wear model and predictive equations: their form and content) continua verdadeiro 15 anos depois. Ele aponta alguma razões para isto após analisar trabalhos de 5.325 autores publicados na revista WEAR.
a) Poucos autores permanecem estudando desgaste por um prazo suficientemente longo para efetuar contribuições consistentes. Por exemplo, autores com 6 ou mais artigos publicados eram apenas 5% do total.
b) Muito poucos autores trabalham em mais de um tipo de desgaste e, deste modo, não adquirem massa critica na área. Na minha opinião, isto dificulta a composição de modelos que acoplem formas diferentes de desgaste.
c) A maioria dos autores trabalha isolado dos demais, ao contrário do que acontece, por exemplo, em lubrificação.
d) Freqüentemente, os modelos não são acompanhados da documentação apropriada.
e) Os estudos e, portanto, o financiamento em desgaste são relativamente menores do que em outras áreas.
O artigo analisa modelos de erosão e, com base nessa análise, traça recomendações que merecem ser estudadas no próprio texto. Cabe destacar a importância que o Prof. Ludema confere à colaboração entre tribologistas (muitas vezes engenheiros mecânicos) e nossos colegas de Engenharia de Materiais. Me parece importante acrescentar a necessária colaboração com os físicos e químicos, como acontece no Instituto Nacional de Engenharia de Superfícies.
Conheço dois casos para os quais se conhece a distribuição de probabilidade de falha tanto em ensaios de laboratório como na vida real. Um deles é o desgaste por fadiga de contato de rolamentos cuja distribuição de falhas segue nas duas escalas de estudo a distribuição de Weibul.  O outro é o desgaste de bolas de moinho cuja distribuição segue a distribuição normal. Mesmo nestes casos, prever a vida em serviço com base nos ensaios de laboratório exige procedimentos criteriosos nos quais a ordem de desempenho em laboratório de diferentes qualidades de amostras é transferida por meio de estudos (ou lotes) em escala piloto para a vida real.
A melhoria deste quadro exige estudos mais longos nos quais seja verificada, tanto em laboratório quanto em campo, qual a distribuição de probabilidades de falha e se estabeleçam correspondências entre ambos os níveis de aplicação. Em paralelo, é importante o desenvolvimento de modelos analíticos de desgaste  para fundamentar os trabalhos de caráter estatístico. Também é importante estimular a ampliação e o aumento das interações na comunidade tribológica.
Por fim, é importante não esquecer (para não criar expectativas infundadas) que o desgaste (e o atrito) é uma propriedade dependente do sistema e não uma propriedade do (ou dos) material (ou materiais). Além disso, e da mesma forma que outras propriedades, porém com mais intensidade, o desgaste dos materiais depende fortemente das condições do sistema e, portanto, das diferenças entre as condições do laboratório e do campo, onde o nível de controle das variáveis é em geral muito reduzido.
Referência
H.C. Meng, K.C.Ludema. Wear model and predictive equations: their form and content. WEAR 181-183 (1995) 443-457.
Amilton Sinatora