Publicar ou perecer (4). Razões mesquinhas.

04/06/2010
por marciookabe

Artigo

O debate muitas vezes acalorado sobre publicar ou não publicar, que ocorre mais intensamente na época de escrever ou de avaliar os relatórios CAPES, tem, como vimos em posts anteriores, razões filosóficas, históricas, educacionais.  O debate também reflete questões menores.

Analfabetismo funcional
A barreira da língua é um não desprezível obstáculo para se publicar. Para muitos, como eu mesmo, só é possível refletir e elaborar raciocínios um pouco mais sofisticados em português. Fazer o que? Muitas iniciativas existem. Exigir um pouco mais dos alunos nos exames de ingresso nos programas de pós graduação. No doutorado, em vez de se cobrar o conhecimento de outra língua estrangeira, exigir um nível mais elevado de conhecimento de inglês. Promover intercâmbio, patrocinar cursos de inglês, subsidiar tradutores, estudar inglês por conta nas poucas horas vagas são recursos que estudantes e colegas empregam.  Para os mais tímidos, que defendem o partido do não publicar devido a sua dificuldade com o inglês, vale experimentar os programas tradutores do AltaVista ou Google. Aposto que com o avanço destes programas teremos belas publicações vindas de alguns dentre os não publicantes profissionais.
Falta de tempo
De fato o tempo foge! Basta fazermos outra coisa que para “aquela uma” não sobra tempo. Em outras palavras, só fazemos o que priorizamos ou o que  somos obrigados a fazer. Não há como adiar uma emergência médica, como não parar os experimentos com a queda de energia, como não obedecer à última ordem do chefe. Por outro lado, também não há como publicar para os que priorizam a prestação de serviços, o ritmo circadiado do dia de trabalho, os exercícios de ante-sala da burocracia universitária, as comensuras do comissionamento político ou as infinitas conspirações acadêmicas. Também não há como publicar para os que incansavelmente se movem de um para outro experimento ou projeto de pesquisa nem para os que alternam diariamente seu campo de trabalho. Notar, por outro lado, que artigos para congresso são concluídos muito mais frequentemente do que artigos para revistas. Será que é apenas por que a exigência das revistas é maior ou será por que a entrega de artigos para congressos tem data improrrogável?
Terceiro mundismo
Esta última razão mesquinha tem dois lados.
De um lado, uma latente auto estima baixa. Nossos resultados são piores dos que os deles, nossa análise é menos erudita, nossa descoberta mais atrasada clama-se pelos corredores! É interessante notar, ao contrário, que muitos dos colegas que publicam bastante… ”se acham”, o que reflete bem, na minha opinião, o peso da autoestima. Cabe notar que a ciência não é feita (nem nunca foi) de obras acabadas, definitivas, lapidares. Vivemos (e sempre foi assim, de acordo com o método científico) numa roda-viva de fazer e melhorar o que foi feito, nem mesmo que melhorar signifique negar o que foi feito anteriormente. Afinal, ciência não é religião.
De outro lado temos um país a construir. Um país de terceiro mundo brutalmente desigual. Por isto é frequente, especialmente nas engenharias, que  nos dediquemos (não sem interesse financeiro) a estudos de melhorias dignos de compaixão, tanto pelo lado da perda inútil de tempo acadêmico, quanto por refletirem os baixíssimos padrões de competitividade de boa parte de nosso parque industrial. E, qual revista de primeiro mundo quer publicar o que já foi resolvido no século XIX ou início do XX? Talvez com o crescente peso da China no comércio mundial e, em decorrência, no mercado editorial venhamos a poder publicar estas re-reflexões técnico científicas, verdadeiros pentimentos acadêmicos.
Amilton Sinatora

Publicar ou perecer (1). Por que publicar? – O método científico

13/05/2010
Uma consulta à Wikipedia mostra em resumo os seguintes passos “ de uma maneira linearizada e pragmática” do método científico:
  • Definir o problema.
  • Recolhimento de dados.
  • Proposta de uma hipótese.
  • Realização de uma experiência controlada, para testar a validade da hipótese.
  • Análise dos resultados.
  • Interpretar os dados e tirar conclusões, o que serve para a formulação de novas hipóteses.
  • Publicação dos resultados em monografias, dissertações, teses, artigos ou livros aceitos por universidades e ou reconhecidos pela comunidade científica.
O artigo da Wikipedia destaca, e é importante repetir, que os passos acima servem apenas como referência. Entretanto, é importante notar o destaque dado às publicações nesta versão do método. Por que esta insistência com o tema?
Uma explicação talvez seja o que para mim é um dos pontos essenciais do método científico:  a hipótese científica deve necessariamente ser questionável, ou seja, ela deve ser passível de dúvida, ela deve poder ser refutada. Em decorrência, o experimento também deve ser refutável.  Ou seja, tanto nossa (preciosa) hipótese de trabalho quanto nosso (cuidadoso) arranjo experimental devem poder ser refutados. Isto, entretanto, não significa que o serão! Uma humilde e elementar reflexão sobre as nossas próprias falibilidades e limitações (em que pese as opiniões sempre positivas de nossas mães e esposas sobre nossa competência!) corrobora as necessidades de verificação acima citadas.
Mais do que isto, entretanto, outro aspecto do método que requer a divulgação dos resultados entre os pares é que nosso conhecimento deve ser capar de fazer previsões. Verificá-las de forma independente, ou seja, por outros pesquisadores, é um passo importante para validar nossos modelos.
Por isto, por uma questão de método científico, por que queremos fazer direito e eticamente nosso trabalho, é que devemos publicar nos veículos de divulgação mais exigentes e mais críticos o resultado de nossas atividades de pesquisa ou de reflexão.
Outras razões para publicar ou não publicar serão discutidas aqui em outras oportunidades.
Amilton Sinatora