Significativas mudanças no relacionamento com empresas: anotações

"uma ideia difusa de que era preciso fazer alguma coisa com as empresas"

1. “precisamos fazer alguma coisa junto com as universidades”

O meu primeiro contrato de longo prazo com empresas foi em 1994. Era comum ouvir das empresas “precisamos fazer alguma coisa juntos”, reflexo da necessidade de apoio da academia ou, o que era mais comum, da intuição desta necessidade. Fomos, empresas e universidade, aprendendo com o tempo e com a multiplicação dos contatos. Na academia aprendemos a fazer anamnese. Como os médicos antigos, aprendemos a ouvir nossos pacientes e com isto percebíamos que, na maioria das vezes, as empresas, como os pacientes, não sabiam exatamente onde doia e o que exatamente elas queriam no contato com a universidade.
2. “precisamos fazer alguma coisa junto com as empresas”
Éramos movidos por uma ideia difusa de que “era preciso fazer alguma coisa com as empresas”. Lutáramos na USP, nos anos 80, com uma fortíssima crise de recursos. Nos faltavam as condições mínimas de trabalho. Não havia manutenção das edificações, não havia material de consumo. Mesmo para higiene básica não havia verba suficiente. Buscar recursos nas empresas era então uma alternativa obvia. Outra preocupação difusa era em transformar conhecimento em PIB, aplicar o que havíamos acumulado à custa do poder público para gerar renda e crescimento. Isto nos remetia em direção às empresas e menos intensamente para atividades sociais.
Mesmo assim, ou por isso mesmo, iniciamos um processo longo de aprendizado mútuo. Aprendemos a ouvir, a planejar, a custear o serviço, a entregar no prazo. Aprendemos a negociar com o cliente entendendo que nosso contato tem um chefe, uma estrutura a obedecer, um sistema todo particular de custeio, de compras e de controle. Aprendemos por fim que o cliente de nosso cliente é o termômetro da qualidade de nossas atividades.
3. “contraponto”
Hoje continuamos a receber empresas que no fundo “querem fazer alguma coisa juntos”; ou seja, são necessárias longas conversas para descobrir exatamente o que elas querem.
Entretanto já é expressivo o número de  empresas que chega ao LFS com um pedido específico, com objetivos e prazos bem definidos, com orçamentos delimitados .
Quais são as novidades por trás dessa mudança?
Uma delas é a existência de um número cada vez maior de pessoas dedicadas à inovação nas empresas. Muitas delas são egressas de programas de pós-graduação, com títulos de mestre e doutor. Ou seja, conhecem a linguagem, as possibilidades e os aspectos do relacionamento que terão que ser melhorados ao longo do contato. Elas são também, frequentemente, jovens. São sucessores de gestores tradicionais. Por isto, cada vez mais frequentemente, elas trabalham melhor em equipe, sabem usar o conhecimento dos outros e não se sentem (indevidamente) tão inferiorizadas pelo saber acadêmico. Com isto começamos a ter encontros com empresas muito produtivos e eficazes. Rapidamente se mapeiam os recursos e as necessidades e se definem objetivos e condições de contorno.
Outra mudança se deve ao crescimento do mercado interno e ao aumento da importância do Brasil enquanto plataforma exportadora. Algumas parcerias entre empresas, que envolviam “transferência de tecnologia” com ênfase na transferência de procedimentos de projeto e de fabricação obsoletos sem valorizar o know why, estão em crise. O “parceiro tecnológico” passa a aspirar uma fatia maior do faturamento oriundo do Brasil. Quando isto conflita com a visão dos dirigentes da empresa nacional, que também querem uma fatia maior do  mercado, se manifesta a necessidade de parcerias com universidades e centros de pesquisa. Estas demandas que passamos a receber têm um toque de urgência e demandam competências já estabelecidas nas universidades. Não dá tempo de “aprender o assunto”.
Outra vertente da atual “corrida às universidades” são os desafios tecnológicos impostos pelo crescimento econômico, com destaque para o desafio do pré-sal. As demandas tecnológicas colocadas sobre os fornecedores colocaram em cheque o modelo de desenvolvimento de tecnologia baseado em “engenharia reversa”, experiência prática e apoio em normas técnicas. Um saboroso documento do PROMINP (Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás Natural), “Diagnóstico dos gargalos e proposição de Ações Tecnológicas” descreve a incapacidade de muitas empresas em fazer “engenharia racional” (!!) – um jeito elegante de dizer que pode haver algum engenho em copiar, mas que engenharia de fato há pouco! Isto tem também alimentado a corrida das empresas às universidades.
Me parece pouco provável que nós das universidades consigamos atender sequer as principais demandas. Um caminho para aumentar nossa capacidade de resposta é aprofundarmos nossas sinergias, pondo para funcionar de fato iniciativas como o  Instituto Nacional de Engenharia de Superfícies.

Amilton Sinatora

2 Responses to Significativas mudanças no relacionamento com empresas: anotações

  1. Evando Mirra disse:

    Caro Amilton,
    Parabéns pelos comentários judiciosos e oportunos. Como você, sinto também que as coisas estão mudando sensivelmente e para melhor.É fato que existe um número cada vez maior de pessoas dedicadas à inovação nas empresas.Tenho participado frequentemente de bancas de doutorado em que um dos examinadores é pesquisador da indústria, corroborando o que você comenta a respeito da qualificação desses profissionais.E concordo plenamente com o papel decisivo das instituições nessa nova cultura: é fundamental que espaços como o Instituto Nacional de Engenharia de Superfícies sejam acionados nesse esforço. Um grande abraço, Evando

  2. Amilton,

    Recomendei seu texto no blog do PPGEM, após uma breve descrição de vivência recente no tema.

    Abraço, Giuseppe

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