Meu amigo Giuseppe Pintaúde, hoje professor na UTFPR em Curitiba abriu sua tese de doutorado sobre abrasão (“Análise dos Regimes Moderado e Severo de Desgaste Abrasivo Utilizando Ensaios Instrumentados de Dureza”) em 2002 com a seguinte citação:
“Ouça-me bem amor
Preste atenção, o mundo é um moinho
Vai triturar teus sonhos, tão mesquinho.
Vai reduzir as ilusões a pó”
A saudade do bom gosto do Giuseppe por música é o que primeiro me ocorre. Passamos no Laboratório de Fenômenos de Superfície um período com pouca música, pouca poesia, pouca leitura e pouca vida cultural. Coisas da objetividade exacerbada no trabalho científico e da confluência de desinteresses nestes temas dos que por aqui passaram recentemente.
Outra percepção é sobre a rara sensibilidade do poeta e da sua visão trágica da condição humana. Somos meros pedaços de chão triturados de volta à nossa original condição de pó. Somos fragmentos de coisas que já existiram, momentaneamente consolidados na forma de “nós mesmos” usufruindo desta propriedade transitória que é viver. A “coisa-nós”, lembra o poeta, é desagregada pela vida, reiniciando o ciclo de fazer parte de todas e quaisquer coisas que existam, complemento eu, metendo minha colher no trágico-sem-solução do poema.
A preocupação do poeta, o compositor Cartola, não deveria ser tratar intencionalmente do meio interfacial, o minério, cominuido entre corpos moedores e revestimento de moinhos, embora para mim seja esta outra forte imagem que a música sugere. O destino (tribológico) dos abrasivos não é tão estudado pelos tribologistas como o destino dos corpos (e contra corpos). Para muitos de nós o abrasivo é considerado, talvez, como algo menor ou menos científico, ou, então, como a causa de um problema: a abrasão.
Não é assim que pensam os colegas que estudam tratamento de minério, em particular os estudiosos da moagem como o Prof. Luis Marcelo Tavares da UFRJ. Para eles o estudo da fragmentação do abrasivo é um tema central de pesquisa que tem como foco a energia necessária no processo de moagem, de forma a poder modelar e dimensionar moinhos. Empregando uma abordagem reducionista extremamente racional e lúcida, o Prof. Tavares e equipe medem a energia necessária para fraturar grãos de um dado minério. Os resultados, integrados mediante trabalho experimental e de modelagem laborioso, estão no ponto de permitir análise dos fenômenos de cominuição em pequenos moinhos de laboratório e tem brilhantes perspectivas de evolução.
Acoplar a abordagem dos tribologistas e dos estudiosos da cominuição tem como pote de ouro no fim do arco iris enormes economias de matéria-prima, reduções nas paradas para manutenção e, principalmente, redução nos riscos e custos no dimensionamento de novos moinhos de grande porte.
Amilton Sinatora