Leonardo da Vinci: artista fracassado, engenheiro fracassado, mas um ótimo cientista!

11/09/2014

Na noite de 25 de agosto passado, no teatro da Universidade de Caxias do Sul, cerca de 800 pessoas ocuparam todas as poltronas e sentaram nos tapetes dos corredores para assistir a uma palestra a respeito da visão do professor Deniol Tanaka sobre a vida, obra e pensamento de Leonardo da Vinci (1452 – 1519).

Foto: Claudia Velho.

Foto: Claudia Velho.

Professor Titular da Escola Politécnica da USP, formado em Engenharia Mecânica pela UNESP, mestre em Ciências pelo ITA, doutor em Engenharia Metalúrgica e Livre Docente pela USP, Tanaka vem estudando o Leonardo da Vinci há cerca de 40 anos, desde que leu “The Private Life of Mona Lisa”, na década de 1970, que acabara de ser lançado, indicado por um amigo.

Com muitíssimo entusiasmo, o professor Tanaka discorreu durante quase duas horas sobre a vida de Leonardo, mostrando na apresentação muitos documentos históricos, pinturas de da Vinci, projetos das máquinas que ele inventava e, até mesmo, uma música composta por Leonardo.

Distinguindo as especulações e mitos das interpretações baseadas em evidências, o professor Tanaka também comentou várias ideias surgidas em torno da obra de Leonardo, como a tese de que, no quadro “A última ceia”, há uma partitura oculta que, ao ser interpretada da direita para a esquerda, sentido no qual o Leonardo escrevia, gera uma música.

No decorrer da palestra, o professor Tanaka respondeu à pergunta que usou como título da sua palestra. Leonardo: artista, engenheiro ou cientista?

O palestrante mostrou que da Vinci atuou em quase todos os campos do conhecimento e das artes, guiado por uma sede intrínseca de compreender e explicar tudo.  Leonardo projetou muitas máquinas e engenhos (canhões, automóveis, navios, máquinas voadoras, sistemas hidráulicos, ferramentas…), mas não conseguiu fazer funcionar nenhuma delas. Não chegou a entregar ou vender nenhum dos seus quadros, pois estavam inacabados. Assim, na visão de Tanaka, Leonardo foi um engenheiro e um artista fracassado.

Porém, perante cada fracasso, Leonardo procurava compreender as causas. E cada resposta trazia novas perguntas, as quais o levavam a tentar compreender novos fenômenos. Dessa maneira da Vinci nunca conseguia por o ponto final em seus projetos, mas, em compensação, trabalhando completamente só, avançou séculos no conhecimento sobre os mais diversos assuntos (mecânica, anatomia, voo dos pássaros, astronomia, materiais, óptica, hidráulica…) e foi precursor de várias criações do século XXI. Por citar apenas um exemplo, Leonardo antecedeu em dois séculos Amontons e Coulomb, considerados os pais do atrito, ao conceituar detalhadamente esse fenômeno. Outro exemplo: Leonardo tinha projetado todos os mecanismos contidos numa inovadora escova de dentes elétrica lançada pela Oral B em 2002.

Como o gênio não publicava suas descobertas, todo o conhecimento que o Leonardo gerou ficou perdido por muitos séculos e não pôde ser aproveitado para gerar mais conhecimento ou para aplicá-lo ou para ser aperfeiçoado por outros… Não publicar foi um erro do da Vinci, disse o palestrante, assim como não trabalhar em equipe.

Vejam aqui o arquivo da apresentação, gentilmente cedido pelo professor Tanaka:

A palestra, que o professor Tanaka já tinha apresentado nas cidades de Curitiba (PR), Garça (SP), Natal (RN), Ponta Grossa (PR), São Bernardo do Campo (SP), Taubaté (SP), Guarujá (SP) e São Paulo (SP), fez parte nesta oportunidade do 1º Seminário de Tecnologia, Inovação e Desenvolvimento Social organizado pelo Centro de Ciências Exatas e da Tecnologia (CCET) da UCS, além de ser a palestra comemorativa dos 10 anos do Programa de Pós-Graduação em Materiais da UCS. A presença do professor Tanaka em Caxias do Sul foi patrocinada pelo Instituto Nacional de Engenharia de Superfícies.


Publicar ou perecer (3). Por que NÃO publicar? – Leonardo da Vinci

28/05/2010

Leonardo DaVinci

Meu colega o Prof. Deniol K. Tanaka e eu tivemos o privilégio de discutir por mais de uma vez o papel do artista Leonardo da Vinci na tribologia, em especiar suas contribuições no estudo do fenômeno de atrito e seus estudos sobre desgaste.

Nestas discussões chegamos sempre ao ponto de que Leonardo fazia o possível para não ser lido! Escrevia de modo que a leitura de seus textos pudesse ser feita apenas lendo-os em espelhos, pois quase sempre escrevia “ao contrário”.  O genial italiano temia ter suas idéias roubadas.
Afinal, de um lado, ele trabalhou como engenheiro militar para para o sanguinário Ludovico Sforza, Duque de Milão e, na mesma função, para o devasso e sanguinário César Borgia, Duque de Bologna. Por  outro lado, Leonardo tinha pendências com a igreja católica e devia temer a fogueira. Publicar talvez não fosse mesmo a melhor política!
Leonardo também não divulgava nem fazia cópia de seus escritos. No fim da vida, entretanto, passou um bom tempo organizando e classificando as milhares de anotações que fez ao longo da vida. Suas anotações, os chamados códigos (codici) que nos chegaram, trazem muitíssimas informações, e são apenas uma fração que chegou até nós, sendo que todo o resto se perdeu. Leonardo não teve o cuidado de enviá-los (nem de deixar em testamento que fossem) a uma biblioteca, igreja ou a algum de seus muitos patronos.
Com isto, seu trabalho se perdeu e suas contribuições ao estudo do atrito apenas chegaram até nós quando seus escritos foram redescobertos. Por isto as “leis” do atrito (e aqui destaco que não as defendo enquanto leis”) são atribuídas na literatura tradicional a Amontons e a Coulomb.
Se ele houvesse publicado, teríamos a seguinte cronologia de contribuições fundamentais sobre o fenômeno de atrito:
Da Vinci – 1495
L1) A força de atrito é proporcional à força normal.
L2) O coeficiente de atrito independe da área aparente de contato.
L3) O coeficiente de atrito depende dos materiais. (Esta descoberta de Leonardo é raramente relatada nos textos, mesmo os recentes.)
Amontons – 1699
L1,2, 3) Confirmaria as duas descobertas de Da Vinci de forma independente num belo exercício do método científico.
Coulomb – 1785
L4) O coeficiente de atrito independe da velocidade (nem sempre como relata o próprio Coulomb, mas esta ressalva é sempre esquecida na literatura contemporânea)‏. Coulomb muitas vezes recebe o crédito pela L3, o que mostra que mesmo publicando (Amontons), às vezes o trabalho de pesquisa não é adequadamente reconhecido!
Greenwood Williamson –  1968
L5) A área REAL de contato aumenta com o aumento da força aplicada. Esta descoberta finalmente justifica as “leis” 1 e 2.
Mas não foi assim que aconteceu e, então, as “leis do atrito” são conhecidas como leis de Amontons ou leis de Coulomb, sendo que os físicos (mais estudiosos) preferem “leis de Amontons” enquanto que os engenheiros (mais comodistas) preferem a expressão “leis de Coulomb”.
Para aqueles menos geniais e menos perseguidos que Leonardo, talvez não reste mesmo outro caminho se não ….publicar, a menos que seus patronos estejam comprando seus segredos de pesquisa!
Amilton Sinatora
Referência
SINATORA, Amilton; TANAKA, Deniol Katsuki. As leis do atrito: da Vinci, Amontons ou Coulomb?. Revista Brasileira de Ciências Mecânicas, Rio de Janeiro, v. 12, n. 1, p. 31-34, out.2007