Que dureza! Qual dureza?

17/03/2011

"The Hardness of Metals", "obra original e instigante". Clique na imagem para olhar o livro no site da Amazon.

Ensinar é, frequentemente, reconhecer os erros. No ensino de pós-graduação, especialmente, onde lidar com conhecimento não estabelecido faz parte do dia-a-dia, os mea culpa são para mim mais e mais frequentes.

Um deles refere-se ao modelo de Bowden e Tabor (The friction and Lubrication of Solids) para o coeficiente de atrito. Neste modelo, os autores usam um conceito no qual o efeito da força normal aplicada é relacionado com a área real de apoio por meio da dureza. Por isso, o aumento da força leva (no campo plástico) ao aumento linear da área. O que tenho ensinado é que, “evidentemente” (!), isso se deve ao fato de que dureza é  a força dividida pela área projetada.

E, se tudo é tão “evidente”, onde está o erro?

Uma breve reflexão sobre a definição de dureza Brinell nos mostra que a força aplicada é dividida pela área da calota esférica formada e não (NÃO) pela área projetada. Se o modelo de Bowden e Tabor não considera a dureza Brinell, “então está tudo errado”?

Nem tudo está perdido, felizmente. O belo livro de  Tabor The hardness of Metals nos apresenta a solução para o raciocínio sobre dureza que eu uso nos cursos, a dureza Meyer.  Nessa escala de dureza, a força aplicada é dividida pela área projetada, para a minha sorte!

Ufa, o erro já foi transformado em omissão do sobrenome da dureza. Dizer apenas que a elevação da força (no campo plástico) resulta no aumento linear da área não está exatamente errado, está “apenas” incompleto.

Ou seja, vou poder continuar falando o que sempre falei nos cursos, o aumento da força normal aplicada levará a um aumento linear da área de contato. Só que, de hoje em diante, terei embasado a afirmação em um conhecimento estabelecido e não na aquiescência (generosidade) dos alunos diante da minha liberdade de linguagem e, prometo, farei referência explicita à dureza Meyer.

Por esta e por outras, como por exemplo a excelente análise sobre área real de contato que Tabor faz no último capítulo do livro, é que recomendo a leitura desta obra original e instigante, The Hardness of Metals.

Amilton Sinatora

Referências

Tabor. D., The Hardness of Metals, Oxford Classic Texts in the Physical Sciences, 1951 (Ed. 2000).
Bowden, F.P., Tabor, D. The friction and Lubrication of Solids. Oxford Classic Texts, 1950-1954 (Ed. 2008)


Plasma: física, engenharia e spin-offs

03/09/2010

Tratamentos de superfícies a plasma: competência do Instituto.

No passado mês de agosto participei do III Encuentro de Jóvenes Investigadores de Materiales, realizado em Concepción del Uruguay (Entre Rios – Argentina).

Além de fazer uma apresentação técnica sobre engenharia de superfícies por plasma, participei de uma mesa redonda sobre transferência tecnológica, onde comentei a minha experiência com spin-offs acadêmicas, entendidas aqui como empresas criadas a partir da vontade de pesquisadores ou estudantes de transformar em produtos e serviços pessoalmente as pesquisas e o conhecimento desenvolvido na universidade.

A criação de empresas de base tecnológica é, de fato, um dos mecanismos possíveis de transferência – uma alternativa a transferir a tecnologia para empresas já existentes.

Universidades com excelência acadêmica como a de Stanford e o MIT estão entre as principais geradoras de spin-offs acadêmicas, como ilustram os exemplos do professor Langer e de Page e Brin que coloquei nos meus slides (como são poucos, insiro aqui a apresentação):

No âmbito do nosso Instituto Nacional de Engenharia de Superfícies, participo junto a alguns estudantes de uma spin-off de engenharia de superfícies por plasma, a Plasmar Tecnologia. O primeiro serviço que oferecemos foi a nitretação a plasma, tema que estudei no meu doutorado na Unicamp. Além de quatro estudantes da UCS, a Plasmar atraiu um doutor formado pela Universidade de Birmingham (berço da engenharia de superfícies) que veio morar aqui em Caxias do Sul e lidera as atividades de P&D da empresa.

Após a apresentação no painel em Concepción del Uruguay, percebi o interesse e vontade de muitos estudantes da área de Materiais de se aproximar de pesquisas mais aplicadas e, mais do que isso, de montar um empreendimento de base tecnológica. É muito importante que as instituições e professores não apaguem a chama desses estudantes, criando as devidas condições de trabalho que favoreçam a criação de empreendimentos de base tecnológica.

Ainda no evento dos jovens pesquisadores, fiquei sabendo do sítio web do Instituto de Física del Plasma, centro de pesquisa em plasma ligado ao CONICET (o principal órgão governamental de promoção da ciência e tecnologia na Argentina) e à UBA (a Universidade de Buenos Aires). O site tem bastante informação de qualidade sobre física do plasma, como as informações sobre descarga de gases e eletrodinâmica de fluidos parcialmente ionizados.

Até a próxima e bom feriadão!

Carlos A. Figueroa


Volta às aulas. Nova bibliografia em tribologia. Volta aos posts.

29/07/2010

Livro aborda a tribologia do ponto de vista da Física.

O início dos semestres é (embora os alunos não acreditem) sempre estressante para os professores. Se não é estressante para todos, certamente é estressante para mim, mesmo ministrando o “mesmo curso” de Materiais para Engenharia Mecânica há quase 25 anos e Introdução à Tribologia há quase vinte.

Uma das razões do estresse são as aspas acima, uma vez que nunca é o mesmo curso. Um curso é como um rio, é sempre o mesmo e, simultaneamente, nunca é o mesmo, como já diziam filósofos gregos e Fernando Pessoa. Nos cursos mudam os alunos, que têm a cada ano a mesma idade, e mudam os professores, posto que envelhecem. Mudam também os conhecimentos, e como mudam!
A ciência hoje é produzida em fábricas de ciência, as universidades de pesquisa, ou em empresas de pesquisa. O ritmo de geração do conhecimento é, pois, industrial, potencializado pela informatização que coloca na telinha diante de cada um de nós milhares de revistas de altíssima qualidade que retratam a produção diuturna de conhecimento pelos cientistas. A telinha também dá acesso aos cursos homônimos aos nossos de renomadas universidades pelo mundo afora, o que enseja de nossa parte e de parte dos alunos comparações nem sempre lisonjeiras e nem sempre justas diante da disparidade de apoio ao ensino e da disparidade da tradição acadêmica entre nossos melhores centros e os melhores centros do mundo.
Para aliviar um pouco o nosso sofrimento e permitir uma rápida e refrescante atualização em tribologia está disponível no mercado o excelente Surface and Interfacial Forces, de autoria dos físicos alemães Hans-Jürgen Butt e Michael Kappl (importado por R$ 200,00), Whiley VCH, 2010, 421 páginas e, pasmem 1.461 referências bibliográficas!
O ótimo capítulo sobre mecânica do contato e adesão é seguido por um excelente capítulo sobre atrito, ambos de leitura rápida e ao mesmo tempo capaz de ampliar a visão tradicional sobre os dois tópicos – o que se deve à formação de ambos os autores. A visão “de físicos” que eles nos trazem é renovadora e calçada sobre a preocupação constante em identificar a natureza das forças em jogo nos tribossistemas. Ou seja, eles buscam insistentemente identificar o caráter sempre eletromagnético das forças envolvidas, numa abordagem que segue e amplia a de Israelachvili no clássico Intermolecular and Interfacial Forces, que também recomendo.
Com este post retomo minhas atividades pós-férias no blog do Instituto Nacional de Engenharia de Superfícies!
Amilton Sinatora